Reproduzimos a seguir os dois últimos editoriais do jornal A Nova Democracia. Consideramos um importante material de esclarecimento sobre a situação política nacional para ser estudado por todo o movimento popular.
Editorial – Derrotar a ofensiva da reação plano por plano Ano XVII, nº 222 – 2ª quinzena de Abril e 1ª de Maio de 2019
As “reformas” reacionárias antipovo foram lançadas; as políticas de ajuste do capital financeiro imperam; não bastasse a matança policial, as tropas do Exército atiram contra o povo; o presidente em pessoa se encarrega dos atos de servilismo ao imperialismo. Esses são fatos da ofensiva contrarrevolucionária preventiva de quem semeia ventos.
Tal ofensiva tomou a forma de golpe militar de Estado passo a passo. Foi planificada quando das grandes revoltas populares de 2013/14 e deu seu primeiro passo ocultado pela chamada “Operação Lava-jato”. Esta, como meio de salvar do descrédito e da desmoralização as instituições deste velho Estado latifundiário-burocrático, buscava fazer uma faxina nas cúpulas dos partidos oficiais no governo e de sua base. Contudo, ela só fez agravar a crise política, expressando a luta aguda entre os grupos de poder das frações das classes dominantes locais de grandes burgueses e latifundiários, serviçais do imperialismo, principalmente ianque.
A base material dessa crise era já a grave crise econômica do atrasado capitalismo burocrático do país, sob os impactos da crise imperialista que eclodiu no USA, em 2008, e seguia se alastrando mundo afora. Mas a reação do mundo político oficial à “Lava-jato” levou ao impeachment de Dilma, lançando mais combustível na crise. Aproveitando-se das lambanças do PT e para jogar sobre ele a culpa por tudo, a ofensiva contrarrevolucionária levantou uma “cruzada moralista nacional” contra a corrupção, como se essa fosse a causa dos males do país, e não a natureza semicolonial/semifeudal desse putrefato sistema de exploração e opressão secularmente vigente.
Nesse ambiente de crise, as manipulações da opinião pública deram lugar ao caldo de cultura anticomunista histérico. Nele, a ofensiva contrarrevolucionária surfou e deu o segundo passo, impondo Temer no governo, como se salgasse carne podre. A extrema-direita dessa ofensiva se aproveitou para levantar a cabeça agitando a derrubada de Temer. Surge então a disputa pela direção da ofensiva. O processo da farsa eleitoral de 2018 foi o mais desmoralizado e desacreditado de todas suas edições.
Como terceiro passo da ofensiva contrarrevolucionária veio o atentado para matar Bolsonaro, gerar comoção popular e, culpando a esquerda, suspender as votações pela intervenção legal das Forças Armadas, solicitada pelo presidente do STF, Dias Toffoli, já domesticado e sob tutela de um general. Falhou, Bolsonaro sobreviveu e se elegeu sem fazer campanha. Mas essas foram as eleições mais repudiadas da história republicana, com o boicote de 56 milhões de cidadãos (42 milhões de abstenções principalmente, votos nulos e brancos, além dos 14 milhões de jovens de 16 a 18 anos, que se recusaram a cadastrar-se como eleitores).
O quarto passo da ofensiva contrarrevolucionária foi o de empalmar o governo Bolsonaro. Com sua eleição, a extrema-direita passou a disputar com vantagem a direção da ofensiva contrarrevolucionária com a direita hegemônica no Alto Comando das Forças Armadas (ACFFAA). Não por outra razão essa disputa impôs a Bolsonaro, na composição do ministério palaciano, o “grupo do Haiti”, com os generais Augusto Heleno e Santos Cruz, entre outros, por seu prestígio entre as tropas.
Conformou-se, assim, um governo reacionário, sufragado nas urnas e tutelado pelo ACFFAA. Nele, seguramente Bolsonaro não é apenas figura de proa, porém o governo de fato é o das “reuniões de quarta-feira dos generais”, reveladas na crise com Bebianno, que foi defenestrado sumariamente pelo capitão por passar a jogar abertamente a política do ‘toma lá, dá cá’, único modus operandi possível desse agonizante sistema político. Prática que desmascararia de uma só vez e em poucos dias toda verborragia bolsonarista da nova política.
Portanto, a primeira questão de que se precisa ter bastante presente é a de que, de fato, está em curso uma ofensiva contrarrevolucionária preventiva, na forma de golpe militar passo a passo. Que tal ofensiva se move através de conluios e pugnas entre a extrema-direita e a direita hegemônica no ACFFAA. Porém, em determinado momento, uma submeterá por completo sua contendente.
Na situação presente, a extrema-direita, particularmente na figura de Bolsonaro, detém o cargo de Presidente da República, bases no Senado e Câmara, apoio popular (embora em declínio), bases de ativistas fascistas civis e nas tropas policiais e militares ao longo do país, além de apoio de setores do imperialismo ianque e do sionismo. A direita hegemônica nas Forças Armadas detém o poder militar – tanto por força de ser seu Alto Comando, quanto pelos vínculos com as classes dominantes locais e de subjugação nacional com as principais estruturas do imperialismo ianque –, e tem o apoio de grande parte das forças políticas de direita e centro no país, além do apoio da maioria dos governos no continente.
A ofensiva contrarrevolucionária preventiva foi desencadeada pela necessidade premente de enfrentar e dar solução às três tarefas reacionárias pela salvação e preservação do sistema de exploração e opressão semicolonial/semifeudal, em crise de decomposição. São as tarefas de: 1) Tirar o país da crise e impulsionar seu capitalismo burocrático; 2) Reestruturar o velho Estado para impor o regime político correspondente e necessário a manter a velha ordem; e 3) Conjurar o perigo de Revolução através da restrição máxima da liberdade de organização e manifestação das massas, do incremento das leis de criminalização do protesto popular, do endurecimento penal e da escalada da ação violenta dos órgãos de repressão do Estado com a intervenção das Forças Armadas, além da descaracterização e demonização das organizações classistas combativas das massas populares. E se a Revolução se desencadeia, tratar de esmagá-la a ferro, sangue e fogo o mais rápido possível.
Embora a extrema-direita bolsonarista e a direita hegemônica do ACFFAA sejam como carne e unha no anticomunismo americanófilo, elas travam entre si uma luta surda. Apesar das aparências dos bate-bocas de hoje, ela já é luta sangrenta. O que foi o atentado a Bolsonaro? Foi parte da disputa pela direção da ofensiva contrarrevolucionária preventiva em função de qual desfecho dar ao golpe em marcha. Isto é, que tipo de regime conformar em substituição ao desmoralizado e agonizante sistema político atual. A extrema-direita de Bolsonaro só crê no regime militar fascista e está buscando acumular forças para consumá-lo. Ele e sua camarilha fazem a conta de que quanto mais se aprofundar a crise do país, maiores serão as chances de seu projeto ganhar a maioria nos meios militares. A direita, hegemônica hoje no ACFFAA, também se bate por um regime de máxima centralização de poder no Executivo, porém mantendo um legislativo e judiciário submissos e a preservação mínima de direitos civis. É a lição tirada da história recente pelo ACFFAA, cuja conclusão é a de que o caminho de Bolsonaro não pode se sustentar por muito tempo e, ao impor-se, já ampliaria o campo de oposição e de resistência ao governo, que terá tarefas dificílimas de se implementar.
A segunda questão a se ter presente é a de que o plano da ofensiva contrarrevolucionária preventiva, através do golpe militar passo a passo, é parte do plano dos imperialistas ianques para ampliar e aprofundar como nunca a militarização do continente sul-americano, com maior ênfase no Brasil. Afinal, o incremento das pressões sobre a nação e povo venezuelanos persegue qual objetivo imediato? Derrubar um governo que lhes entrega sagradamente todo o principal de sua riqueza natural, o petróleo? Ou, isto sim, atiçar ao máximo conflitos regionais para justificar o estacionamento de suas tropas genocidas no território brasileiro? Por que, neste mesmo instante, se apressaram em estabelecer “cooperação científica” exatamente na Base de Alcântara? Bolsonaro, que pelo menos fala rasgado o que defende, pôs a nu que o objetivo em Alcântara é de estabelecer a base militar dos ianques. Ele foi ao USA para firmar o tratado vende-pátria e recebeu em troca o regalo de que o Brasil passa a ser considerado seu “aliado estratégico extra-OTAN”. Status que corresponde ter a primazia em receber material bélico estratégico, situação que levará a intensa movimentação de pessoal militar ianque em solo e unidades militares brasileiras. Ou, ainda, o que significa, senão isso, a nomeação agora de um general brasileiro para assento no “Comando Sul das Forças Armadas” do USA? Mais? Vale lembrar que o Almirante Craig S. Faller, comandante de dito Comando Sul, foi recebido com pompa e circunstância, em fevereiro último, na Brigada de Infantaria Paraquedista, no Rio de Janeiro.
Também é fato, por mais que os economistas do mercado financeiro o tergiversem, que a crise do capitalismo burocrático no Brasil é grave. E, dentro da crise geral do imperialismo e crescente desordem mundial, os capitalistas locais e estrangeiros desconfiam que ele entrou num estágio de crise geral. O Brasil é a situação mais explosiva abaixo da Linha do Equador, justamente quando se agudizam todas as contradições fundamentais no mundo, principalmente a contradição que opõe nações/povos oprimidos ao imperialismo, com o incremento das guerras de rapina e o levantamento sucessivo dos povos dos países oprimidos na Ásia, África e América Latina. Quando os povos do Iraque, Afeganistão, Síria, Palestina e outros repelem pelas armas o imperialismo invasor, e na Índia, Peru, Filipinas e Turquia as guerras populares erguem altas as bandeiras da Revolução de Nova Democracia, e nos próprios centros imperialistas as massas lutam com fúria em defesa de seus direitos mais elementares pisoteados e por sua libertação. Quando a luta por nova partilha do mundo se agudiza e a superpotência hegemônica única USA vê ameaçada sua dominação mundial. Por acaso o USA vai assistir de camarote o incêndio se alastrar por seu “quintal”?
A terceira questão necessária de se ter presente e bem claro é a de que, embora não se possa saber de imediato qual das forças da reação se imporá em determinado momento, só a luta revolucionária poderá confrontar consequentemente qualquer dos regimes que prevaleça. Nem Bolsonaro e nem Mourão, abaixo as Forças Armadas reacionárias! Mais ainda, devemos ter certeza de que só através da luta revolucionária prolongada se poderá unir a maioria das massas do campo e da cidade, levar a Revolução Agrária a termo, entregando a terra aos camponeses pobres sem terra e com pouca terra, confiscar o capital burocrático e varrer a dominação imperialista. Por mais dura que será a luta e por mais que possa demorar, a Nova Democracia triunfará, o nosso heroico povo se colocará de pé e erguerá o verdadeiro Brasil Novo!
Editorial – Nem Bolsonaro e nem Mourão! Fora Forças Armadas reacionárias!
Redação de AND
20 Maio 2019
Editorial da edição nº 223 do jornal A Nova Democracia (2ª quinzena de maio e 1ª de junho de 2019), que chegará nas bancas ainda esta semana.
No Editorial da edição 222 do AND, no qual analisamos a ofensiva da reação ao aplicar um golpe militar preventivo ao inevitável aumento do protesto popular, mostramos as divergências entre direita hegemônica no Alto Comando das Forças Armadas (ACFA) e a extrema direita, encabeçada por Bolsonaro. Nele indicamos que a luta no campo da reação se delineava para o antagonismo:
“Na situação presente, a extrema-direita, particularmente na figura de Bolsonaro, detém o cargo de Presidente da República, bases no Senado e Câmara, apoio popular (embora em declínio), bases de ativistas fascistas civis e nas tropas policiais e militares ao longo do país, além de apoio de setores do imperialismo ianque e do sionismo. A direita hegemônica nas Forças Armadas detém o poder militar – tanto por força de ser seu Alto Comando, quanto pelos vínculos com as classes dominantes locais e de subjugação nacional com as principais estruturas do imperialismo ianque –, e tem o apoio de grande parte das forças políticas de direita e centro no país, além do apoio da maioria dos governos no continente”.
No espaço de um mês, o antagonismo ficou mais evidente diante da verdadeira baixaria no debate público com as ofensas disparadas pelo guru bolsonarista Olavo de Carvalho, coadjuvado pelos filhos do presidente, e as respostas dos generais.
É importante notar que o anticomunismo de ambos os lados que operam a ofensiva contrarrevolucionária preventiva não tem a força de consolidar sua união, pois ambos buscam a direção do processo e a consequente submissão do contendente.
Bolsonaro, desde quando era candidato e não acreditava em sua eleição, levantava a bandeira de ser contra tudo que está aí, incluindo o legislativo e o judiciário, e qualificando as eleições como uma fraude. Provavelmente, articulava um golpe de Estado, pois afirmava que não aceitaria outro eleito que não fosse ele mesmo. Para tanto, contava com as redes sociais montadas ao estilo Trump, baseadas em reprodutores de fake news. Contava ainda como seu capital os 30 anos de atividade parlamentar fazendo a defesa do regime militar fascista e seus algozes. Para lograr sua carreira de deputado, arregimentou votos na defesa exclusiva dos interesses corporativos das tropas das forças armadas, da polícia federal e das polícias militares, além de que sempre descaradamente defendeu as criminosas “milícias” do Rio de Janeiro.
Já para o ACFA, a luz vermelha do perigo de rebelião acendeu com as revoltas populares de 2013/14, que repudiaram todos os partidos oficiais e principalmente os da “frente popular eleitoreira” e suas organizações de manipulação e empulhação do povo. Os generais, em conluio com o Departamento de Estado do USA, planificaram o golpe de Estado militar contrarrevolucionário para prevenir-se do levantamento geral das massas populares e o desataram com a Operação “Lava Jato”. Para o imperialismo ianque e seus lacaios não havia mais como sustentar e manter a velha ordem de exploração e opressão sem restringir e centralizar ao máximo o poder político no Executivo, mantendo as demais instituições republicanas em funcionamento assessório e servil.
Em um dado momento da campanha eleitoral, tendo a “Lava-jato” afastado Luiz Inácio da disputa e a candidatura de Alckmin fazendo água, o plano golpista conspirou para suspender as eleições e impor a intervenção militar. O malsucedido atentado a Bolsonaro o fez vítima garantindo a sua eleição apenas navegando nas redes sociais com os seus repassadores de fakes.
Restou ao ACFA empalmar o governo para tutelá-lo, através da imposição dos generais do “grupo do Haiti” nos principais postos de decisão do Palácio do Planalto. Porém, tão logo tomou posse, Bolsonaro e seu guru iniciaram a reação a essa tutela, na disputa pela direção do golpe por impor seu regime militar fascista. Disputa que nestes cinco meses de governo só se agudizou.
Ainda de acordo com nosso Editorial, “a ofensiva contrarrevolucionária preventiva foi desencadeada pela necessidade premente de enfrentar e dar solução às três tarefas reacionárias pela salvação e preservação do sistema de exploração e opressão semicolonial/semifeudal, em crise de decomposição. São as tarefas de: 1) Tirar o país da crise e impulsionar seu capitalismo burocrático; 2) Reestruturar o velho Estado para impor o regime político correspondente e necessário a manter a velha ordem; e 3) Conjurar o perigo de Revolução através da restrição máxima da liberdade de organização e manifestação das massas, do incremento das leis de criminalização do protesto popular, do endurecimento penal e da escalada da ação violenta dos órgãos de repressão do Estado com a intervenção das Forças Armadas, além da descaracterização e demonização das organizações classistas combativas das massas populares. E se a Revolução se desencadeia, tratar de esmagá-la a ferro, sangue e fogo o mais rápido possível”.
A disputa na cabeça da contrarrevolução é por qual regime estabelecer para levar essas três tarefas a termo. A agonia do sistema político do “toma lá, dá cá” ameaça a velha ordem, seu velho Estado e a dominação imperialista, principalmente ianque. O ACFA quer reformá-lo dentro da ordem constitucional, mas Bolsonaro é obstinado em que só com o regime militar pode salvar o sistema de exploração e opressão.
Como se vê, esse antagonismo não poderá se manter por muito tempo, porém não se vislumbra solução pacífica. É bastante improvável que o ACFA recue seus generais palacianos para os quartéis. Por isso passaram a fazer silêncio ante os ataques do guru e filhos de Bolsonaro. Passaram à tática de cozinhar Bolsonaro em banho-maria, a fim de desgastá-lo ao máximo, a ponto de neutralizar a maior parte de suas bases de sustentação nos quartéis.
Por sua vez, Bolsonaro, com suas medidas demagógicas, como acabar com multas e radares de trânsito, liberar a posse de armas, corrigir o imposto de renda e coisas parecidas, tenta manter sua base com apelos populistas.
Nas condições da grave crise do país, em que se delineia iminente crise militar com tal disputa no seio da reação, o mais provável é um desfecho sangrento. Isto porque o ACFA não pode impedir Bolsonaro sem que se levantem fortes reações nos quartéis e tampouco Bolsonaro poderá impor seu regime sem reação militar.
O agravamento desta contradição, ainda que um se imponha rápido sobre o outro, vença quem vencer, só fomentará a crise militar da velha ordem e o impulsionamento da situação revolucionária do país. As massas só têm o caminho da luta para defender seus direitos pisoteados e suas duras conquistas arrancadas, como a “reforma trabalhista”, os cortes na educação, a calamidade da saúde pública e o roubo da “reforma da Previdência”. E esse caminho só pode ser o de elevar sua mobilização em grandes rebeliões. Da greve geral de resistência às batalhas de rua e destas aos levantamentos camponeses. Somente a Revolução de Nova Democracia poderá salvar o país da ruína e dominação imperialista ianque e construir o Brasil Novo, verdadeiramente democrático, popular e independente.